O celtismo galaico hoje: reportagem e entrevista com o Durvate Mor

O jornal galego em linha Adiante.gal teve a feliz ideia de publicar umha interessantíssima reportagem sobre o celtismo na Galiza recolhendo algunhas das vozes actuais no mundo da investigaçom, divulgaçom e cultura da nossa terra.

O autor do texto, Antom Santos, tentou assim compilar, contrastar e actualizar as posturas e opinions sobre esta questom a dia de hoje, e por isso agradecemos que contara tamém com o Durvate Mor da IDG.

Assim, deixamos aqui a ligaçom à reportagem original, que recomendamos ler com detalhe e atençom, e colocamos a seguir a entrevista entre o Antom e o Xoán que serviu de base para extrair algumhas das citas que lá se colocam.

Bem haja pola difusom!

Entrevista na íntegra:

– Desde a tua experiência no estudo ou relaçom com o celtismo a que conclusom podemos chegar a inícios do século XXI sobre a celticidade da Galiza? Podemos aventurar umha tese forte ou continuamos na indefiniçom?

Na posiçom que defendo, baseada em evidências científicas, considero a Galiza e Norte de Portugal como a origem do celtismo e, portanto, referência primordial no entendimento dessa cultura.

Hai quem enche a boca falando das claras origens “ancestrais”, “pré-cristás” ou “pré-romanas” de inúmeros aspectos do nosso folclore e cultura tradicional, mas rapidamente recorrem a esses eufemismos, evitando o termo “celta”, quando som confrontados com equivalentes inequívocos noutros lugares. Ficam na anedota, na explicaçom isolada do particular, e nom acodem a um modelo de interpretaçom geral, abrangente, dentro do nosso marco geográfico natural que é a Europa atlântica.

Entom, a indubitável continuidade da cultura europeia atlântica já desde o Megalitismo até o de agora é um facto, independentemente do nome. Porém, penso que o adjectivo “celta” é totalmente válido como resumo e identificador facilmente reconhecível de todos os traços que componhem essa cultura específica nesse marco territorial preciso.

 

– Em que medida os avanços académicos e tecnológicos das últimas décadas ratificam ou questionam o dito por clássicos como Murguia ou Cuevilhas?

Cuido que ratificariam o peso que eles mesmos davam ao nosso passado celta, confirmariam a existência dumha civilizaçom como tal, como lhe chamou Cuevilhas. Mas, como pioneiros que eram, trabalhavam com o conhecimento e técnicas da sua época e eram, logicamente, vítimas de determinadas ideias do seu momento como por exemplo a perspectiva “invasionista”, onde os celtas seriam um povo fundamentalmente guerreiro que desde o centro da Europa ocuparia o resto do continente de leste a oeste, mais ou menos violentamente. Essa é umha visom já totalmente desbotada pois agora vai-se defendendo tudo o contrário.

De facto, tivo que chegar o século XXI para começarmos a relacionar e combinar as descobertas linguísticas, arqueológicas e genéticas produzidas até entom de forma independente. Essa acumulaçom de conhecimento explode a partir do ano 1996 com a primeira apresentaçom da chamada Teoria (agora Paradigma) da Continuidade Paleolítica, que se consagra a partir do 2000 graças às provas vindas do campo da genética.

Gente como Murguia, Pedraio ou Cuevilhas teriam adorado saber o que sabemos agora, e abofé actualizariam as suas posturas. Mas claro, tamém chegamos aonde estamos por pessoas como eles. Na sua honra está o estudo honesto do celtismo desde umha perspectiva cada vez mais séria, mais científica, abrindo caminhos. E o trabalho continua.

 

– Como estudioso e divulgador da religiom galaica, em que medida podemos relacionar o que sabemos dos nossos deuses antigos com a religiosidade doutros países da Europa atlántica?

Na comparança das figuras e funçons das Deidades, representaçons artísticas, sincronicidade dos calendários, combinado com os princípios éticos e filosóficos transmitidos nas tradiçons, contos e lendas, observamos um fio condutor entre todos os povos celtas, umha base original forte e decididamente comum. Aí encaixa perfeitamente o que imos sabendo da religiom galaica pois, mais umha vez, muito possivelmente aqui estivera a origem do resto.

Podem mudar nomes, epítetos, podem-se encontrar agora cultos deturpados ou sincretizados, mas o impulso primeiro, o ensinamento profundo, a sensibilidade, é sempre a mesma. Somos espelhos na história.

Aliás, é aceitado que se bem no mundo céltico nom existia umha unidade política, sim existia umha unidade institucional, quer dizer, umha lei e umhas crenças comuns perfeitamente definidas e estáveis. Noutras palavras, cada tribo ou grupo poderia ter os seus próprios interesses económicos ou de poder, mas todos respondiam a uns mesmos códigos legais, éticos e obviamente religiosos.

 

– Além dum celtismo ‘arqueológico’, ou de evidências genéticas de movimentos de populaçom da Galiza para o norte, poderíamos falar dumha espécie de celtismo ‘antropológico’? Refiro-me a elementos da cultura material que pervivírom até a industrializaçom, tradiçons, festejos, e (a risco de cair o idealismo) traços de carácter.

Sem dúvida, e para mim isso é fundamental porque representa a cultura viva, o nosso dia a dia percebido através dum prisma único e particular. Quanto mais se aprofunda no estudo antropológico comparado com o resto da Europa atlântica mais evidente resulta isto tudo.

Hai realmente tantos exemplos, grandes e pequenos, que resulta patente que nom podem ser explicados de maneira individual. Dumha matriz comum vam ficando restos aqui e acolá, desde a “Solta do Rei Charlo” (a carriça) na Lourençá, que encontra um paralelo directo manifestamente celta no “Dia da Carriça” irlandês, até toda a ampla temática do relacionamento com a morte e o Além, incluindo elementos como a famosa Estadea ou Santa Companha. É um sem fim.

Falando de carácter, e por colocar outro exemplo, o genuíno humor galego é irlandês, a retranca, volta ser um espelho quase perfeito.

 

– Semelha que um tipo de celtismo literário-cultural, que nasce no romantismo, tivo certo sucesso na construçom da identidade galega contemporánea. A que se deve o êxito?

Isso é algo frequentemente explicado como umha procura de referentes dignificadores da nossa história e personalidade nacional num período determinado, pois já sabemos que a historiografia espanhola tradicional sempre tentou o possível para fazer-nos de menos em todas as frontes. Logo tem sentido a reacçom correctora.

Logicamente, nesse processo a potência do celtismo tinha que agromar dalgumha forma embora fora exageradamente adornado, romantizado, idealizado e tomado no começo com bastante pouco rigor. Mas a sua “descoberta” foi motivo de orgulho, é claro.

Contudo, isso encetou a possibilidade de lidar com um tema quase esquecido a níveis populares mas é que, em verdade, praticamente toda a história galega estava esquecida fora dalguns eruditos.

 

– Como um dos protagonistas da popularizaçom do nosso património, qual pensas que é o papel do elemento celta (mítico ou nom) à hora de fazer que tantos galegos se volquem ao interesse polo próprio? É central ou perdeu peso em favor dumha identidade mais volcada a outras achegas (galaicos, suevos, reino medieval)?

Para mim o elemento celta é consubstancial à Galiza, umha cousa nom pode ser entendida sem a outra. É factual. No conhecimento das nossas origens, evoluçom e história o celtismo nom pode ser simplesmente ignorado. O seu papel é fulcral, pois sem ele a nossa compreensom e interpretaçom da Galiza ficaria eivada.

Temos pois que reclamar isso sem medo na reconstruçom da nossa identidade completa, sem recortes nem saldos, onde evidentemente encontramos outras muitas achegas de enorme importância. Mas tudo soma, nada é incompatível pois isso tudo deriva em nós.

Seja dito que tristemente nalguns sectores este tema continua sendo quase que um tabu, umha palavra maldita, quando deveria ser tratado e investigado com total normalidade.

 

– Crês que a paixom militante ou política que está por trás de parte do celtismo alimenta ou deteriora a pesquisa ‘objectiva’?

Sim, e isto conecta com o que acabo de dizer: falta normalidade. É como o tema da língua, onde é preciso que seja vista como um património colectivo, um bem comum a proteger e potenciar por cima de qualquer tendência, partidismo ou inclinaçom, nom algo para ser usado quando toca num sentido ou noutro por interesses espúrios.

A pesquisa objectiva do celtismo, ou de qualquer aspecto da nossa história, cultura e sociedade, deveria ser (repito-me) normalizada. O debate deveria fluir com vontade construtiva, trabalhando juntos em novas achegas a partir do que já foi feito.

Entenda-se-me bem, foi essa paixom e o trabalho nas margens (quando nom vindo directamente desde fora das nossas fronteiras) o que permitiu que o celtismo chegara até aqui umha vez ridicularizado nas aulas galegas, mas eu adoraria que nom fora precisa tanta “paixom militante” na procura dumha divulgaçom sensata, seja no celtismo, na língua ou no que for. Dito doutro jeito, hai muito trabalho a fazer para andarmos às voltas com lérias que deveriam estar superadas. É cansativo, umha perda de tempo valiosíssimo.

 

– Que lhe dirias à gente que caricaturiza o druidismo actual como umha impostura ou umha extravagáncia (mesmo no campo galeguista)?

Que rejeitaram as daninhas apariçons grotescas e desinformadas nos mídia e que foram à raiz da chamada “renascença druídica”, um movimento que tem já 300 anos e que se bem agromou entre as brétemas do romantismo do que falávamos antes, tem evoluído e madurado muitíssimo à par dos avanços académicos.

Apliquemos aqui novamente o que é normal noutros lugares: se antes do cristianismo havia umhas crenças nativas nestas terras, quais eram? eram comuns? que nome recebem habitualmente? por que nom reclamarmos entom o que tamém é nosso sem vergonha?

Hoje em dia existem muitos grupos sérios, de reputaçom impecável e com umhas trajectórias bem definidas e consolidadas em todo o mundo. Na Galiza e Norte de Portugal, por exemplo, a Irmandade Druídica Galaica fai a sua apariçom pública em 2011 e em 2015 é legalizada como entidade religiosa oficial. Em todos estes anos tem estabelecido contactos com grupos afins a nível internacional criando umha rede de investigaçom, partilha e amizade, graças à qual a Galiza está já considerada como umha peça fundamental na tradiçom druídica.

Assim, a essa gente diria-lhe tamém que abandonara os seus prejuízos, a poder ser a coberta cultural cristá que nos rodeia (mesmo os ateus), e que perguntara directamente e decidira depois quem é um “alucinado” e quem nom.
 

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